O dono da culpa

segunda-feira, 23.05.2011

Arnaldo acorda e sorri, como quem acaba de sonhar com algo maravilhoso. Mas não é o sonho que o deixa animado, é o pensamento que teve um pouco antes de dormir no dia anterior. Hoje temos um dia bem frio, Arnaldo desiste do banho congelante. Molha os cabelos, lava o rosto, faz a barba, escova os dentes, lava os pés. Desodorante, colônia, roupas utilizadas há dois dias e não lavadas, já que a lavadora estava quebrada e a preguiça o consome demais para que lave suas vestimentas antes do fim de semana. Arnaldo continua sorrindo.

Espera o ônibus tranquilamente. Está atrasado, sabe disso, mas não se preocupa. O frio se transforma numa leve chuva, que atinge Arnaldo pela falta de teto na parada de ônibus. Arnaldo sorri ainda mais. ônibus lotado, roupas suadas, pessoas fedorentas. Arnaldo tira do bolso seu tocador eletrônico e, com os fones de ouvido devidamente colocados, abstrai-se da superlotação do ônibus. Janelas fechadas, calor infernal, música alta e Arnaldo sorrindo como se passeasse num veículo conversível em uma manhã de verão.

Bate o ponto, dá bom dia, corre para a cantina. As pessoas observam a chegada de um assobiante Arnaldo e cochicham nos corredores próximos ao local:
– Vocês ficaram sabendo? O Arnaldo se meteu numa bela encrenca… quando o chefe voltar de viagem ele com certeza não escapará! – comenta uma das secretárias, daquelas que são mais rápidas e eficientes na distribuição de uma notícia do que um anúncio televisivo extraordinário.
– Já eu fiquei sabendo que ele já está cumprindo período de aviso-prévio, pobre Arnaldo… – cochicha o tesoureiro que adora aumentar histórias que escuta pelos corredores, pelo simples prazer de saber que ele acrescentara as mudanças nos boatos.
– Eu quero mais é que ele se lasque! – finaliza o mau-humorado do escritório. Os três rapidamente mudam o assunto quando Arnaldo sai da cantina com um copinho de café em punho e o caderno de esportes debaixo do braço. O sorriso de Arnaldo só aumenta com cada burburinho escutado.

A verdade é que Arnaldo cometera um erro grave nos dias anteriores; erro que custaria, em circunstâncias normais, seu emprego. Mas Arnaldo mantém consigo seu sorriso inabalável e, agora, ganha um certo ar malicioso em seu olhar.

Preocupado mesmo somente está Rodolfo, seu único amigo dentro daquele escritório. Rodolfo sabia a enrascada na qual o amigo se metera e veio correndo de outro setor, angustiado pela falta de notícias confiáveis sobre o amigo. Chega à mesa de Arnaldo qual não é seu espanto ao ver Arnaldo com ares de ganhador de loteria.

– Arnaldo, meu amigo, o que aconteceu? Você descobriu como resolver o problema?
– Eu? Eu mesmo não! – responde Arnaldo, rindo logo em seguida. – Aquele “probleminha” não tem solução, meu caro!
– Eu não entendo, eu não entendo você! – diz Rodolfo, totalmente incrédulo com a falta de preocupação do amigo. – Por acaso ficou louco, homem! Você vai acabar perdendo o emprego.

Arnaldo olha para os lados, observa o movimento. Ao perceber que estão sozinhos no setor, cochicha para que somente ele o amigo escutem:
– Não mesmo. Relaxe, meu amigo, não estou enlouquecendo. É que ontem à noite eu descobri eu quem eu vou colocar a culpa!

Não é minha culpa!

Temporada de caça ao pato, atire! - BANG! - Coelho desprezível...